quarta-feira, 16 de março de 2011

USO DE FORÇA POLICIAL NOS CASOS COM REFÉNS LOCALIZADOS: UMA VISÃO LEGALISTA E RESPONSÁVEL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL



             O Brasil é signatário de vários documentos internacionais que visam a ampla proteção dos direitos humanos. A magna lei brasileira, da mesma forma, apresenta diversos institutos protetores dos direitos humanos, destacando-se o direito à liberdade pessoal e à vida.

             Todas essas orientações, tratados e convenções internacionais de proteção aos direitos humanos exerceram forte influência tanto na produção legislativa, quanto na atuação direta da polícia para solucionar casos com reféns localizados. Tanto assim que se observam na legislação constitucional e infraconstitucional nacional institutos que visam à garantia dos direitos fundamentais do homem.

              Na prática operacional da polícia também enxerga-se essa tendência. Tanto assim que, a Doutrina de Gerenciamento de Crises tem sido amplamente difundida no meio policial brasileiro, principalmente a partir da década de 1990, como método de trabalho policial para enfrentar as denominadas crises. Dentre outras crises, se destaca as envolvendo reféns localizados, onde invariavelmente vidas humanas estão sendo ameaçadas.

              Prova inequívoca de que o processo de gerenciamento de crises utilizado pelas polícias brasileiras para solucionar casos com reféns foram influenciados diretamente pelas normas de direitos humanos, é encontrado quando se estuda seus objetivos, que possuem ordem axiológica de primeiro preservar vidas humanas, depois aplicar a lei e por final restabelecer a ordem pública. Além disso, o método de uso de força para solucionar crises segundo a doutrina de gerenciamento de crises também está disposto de forma progressiva e proporcional a ação ou reação dos causadores da crise, chamada de alternativas táticas. Nessa medida também se pode afirmar que se encontram em conformidade com a legislação em vigor no Brasil.

                A força policial é instrumento utilizado para fazer valer o interesse do Estado, que é o bem comum. Força policial não pode e não deve ser confundido com truculência, ação arbitrária ou violência desnecessária e desmedida é exercício regular do poder de polícia.

                Não se pode entender força policial como simplesmente o emprego de força física. O uso escalonado e progressivo da força inicia-se com a presença ostensiva da polícia, esperando demover o indivíduo causador da crise, a verbalização e até mesmo a alternativa tática negociação não é empregada mediante força física, mas representa um método de emprego de força policial, que resolve com grande eficácia os casos com reféns localizados no Brasil.

                 Daí também a necessidade de que tropas especiais de polícia, responsáveis pelo atendimento de ocorrências de alta complexidade, utilizem uniformes diferenciados dos demais integrantes da corporação, para que justamente possam empregá-los como fator disuasor e como primeiro grau de uso de força policial (presença ostensiva).

                  O emprego de força física pela polícia também é organizada de forma escalonada segundo a doutrina de gerenciamento de crises, partindo de uma técnica não letal até a letal, se necessário. Como se viu é a ação ou reação do tomador de reféns frente a postura organizacional da polícia militar que fará com que os degraus do uso de força sejam a cada momento escalados.

                  A Polícia Militar é o órgão do sistema nacional de segurança pública competente para atuar nos casos com reféns localizados, já que segundo o artigo 144 da Constituição Federal de 1988 é a responsável pela preservação da ordem pública, isso não significa que fará sem o apoio dos demais órgãos de segurança pública ou de quaisquer outros órgãos públicos que possam contribuir para solução aceitável da crise. No seu papel de polícia administrativa cabe manter a ordem pública e restaurá-la, se perturbada.

                   Portanto é dever da Polícia Militar atuar nesses casos, não é faculdade é obrigação. Agindo assim atuará na repressão imediata de ilícitos penais, que gravemente perturbam a ordem pública em expresso cumprimento da norma constitucional pátria.

                 A força policial para solucionar casos com reféns localizados é legítima, quando é organizada de forma a garantir a vida das pessoas diretamente envolvidas. A polícia está lidando com o imponderável, pois é o tomador de reféns que está de posse de uma arma ameaçando a pessoa do refém. Tudo pode acontecer e à polícia cabe uma tarefa complexa e onde vários outros aspectos além da questão legal devem ser analisados para preservar as vidas dos envolvidos, inclusive a do tomador de reféns. É legítima a ação da polícia quando age balizada na lei, na moral e na ética, e tem sua ação aprovada por seu povo, mesmo que os resultados alcançados não tenham sido o mais desejado de preservar a vida de todos os envolvidos.

                 Mas ao empregar força policial para solucionar os casos com reféns localizados, age a polícia no estrito cumprimento de dever legal, portanto ao ferir qualquer bem juridicamente tutelado para preservar as vidas das pessoas envolvidas, não comete crime e sua ação é legítima.

                 Demonstrando-se irredutível frente às propostas da negociação policial, por exemplo, e mantendo uma arma de fogo apontada para a cabeça de um refém, sendo incompatível o emprego de técnicas não letais é legítimo e proporcional o disparo proveniente e autorizado de um atirador de precisão que neutraliza lde forma letal o risco de morte levado pelo causador da crise ao refém. Agiu o atirador em estrito cumprimento de dever legal, não cometeu crime, está amparado pela lei e sua ação é legítima, pois amparada pela moral e pela ética, e é o que a sociedade espera da polícia. Que aja com técnica, rigor e ponderação para preservar o direito das pessoas e da sociedade.

                  O resultado esperado na solução de casos com reféns localizados é aquele em que os reféns são libertados ilesos e os tomadores de reféns são presos e conduzidos à justiça para responder pelos delitos cometidos. Nem sempre isso é possível, são casos de extrema complexidade e que exigem estratégias, técnicas e táticas especiais por parte da polícia.

                  As alternativas táticas demonstraram ser força policial suficientes para solucionar casos com reféns localizados, mas devem ser implementadas por profissionais experientes e especificamente treinados e equipados para atuar nesses casos complexos. Pois as conseqüências da utilização equivocada dessas técnicas e táticas policiais, ou mesmo, dispostas estrategicamente equivocadas, podem ser interpretadas como excesso de uso de força e não estará amparada pela lei, devendo a polícia responder pelo resultado que deu causa.

                   A Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul, tem estruturado através de um Pelotão da CIGCOE (Companhia Independente de Gerenciamento de Crises e Operações Especiais), denominado de GATE – GRUPO DE AÇÕES TÁTICAS ESPECIAIS, o atendimento de casos com reféns localizados. Este grupo é integrado por policiais militares selecionados e com formação específica em Operações Policiais Especiais e Ações Táticas Especiais, que se dedicam cotidianamente no treinamento e estudo de técnicas, táticas e estratégias para empregar força policial no resgate responsável e legalista de pessoas mantidas como reféns, dentre outras atividades.

                  Portanto, embora não alcançado o resultado mais desejado de preservar as vidas de todos os envolvidos, o uso de força policial só não será legítimo quando agir a polícia com excesso quer seja doloso quer seja culposo, ou seja, quando deixar de agir no estrito cumprimento do dever legal.



                                                                   *Wagner Ferreira da Silva é major da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul, Formado na Academia de Polícia Militar D. João VI no Rio de Janeiro, com especialização em Operações Policiais Especiais e Gerenciamento de Crises. Bacharel em Direito é subcomandante do batalhão de operações especiais.





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