terça-feira, 15 de abril de 2014

ALTERAÇÃO LEGISLATIVA IMPLEMENTADA PELA LEI COMPLEMENTAR 181/13, NO ESTATUTO DA POLÍCIA MILITAR LEI COMPLEMENTAR N. 053/90, EM RELAÇÃO AOS SOLDADOS COM MAIS DE 8 (OITO) ANOS DE SERVIÇO.


Autora*: Juliane Pinheiro Kuklinski, Cabo da PMMS, Bel em Ciências Jurídicas, Pós-graduada em Direito do Estado e das Relações Sociais.


            O Estatuto da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul, Lei Complementar n. 053, de 30 de agosto de 1990, foi alterado pela Lei Complementar n. 181, de 18 de dezembro de 2013, que revogou e inseriu os seguintes dispositivos:


DISPOSITIVOS REVOGADOS

Art. 15-A. O acesso do Soldado à graduação de Cabo QPPM dar-se-á mediante processo seletivo interno pelo critério de antiguidade, cujas vagas serão disponibilizadas pelo Comandante-Geral mediante edital, com a devida aprovação em curso de formação de cabos, e que atenda aos seguintes requisitos

I - contar, no mínimo, com oito anos de efetivo serviço;
II - ter concluído o ensino médio;
III - não estar licenciado para trato de interesse particular;
III - não estar licenciado para tratar de interesse particular;
IV - estar classificado, no mínimo, no comportamento “BOM”;
V - ter sido julgado apto em inspeção de saúde para fins de curso;
VI - ter sido julgado apto em teste de aptidão física;
VII - possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH), no mínimo, de categoria “B”. 


Parágrafo único. A antiguidade na graduação de Cabo do Quadro QPPM será definida dentro da mesma turma, pelo grau obtido no curso de formação.

DISPOSITIVOS VIGENTES

Art. 15-A. O acesso do Soldado à graduação de Cabo QPPM dar-se-á mediante processo seletivo interno pelos critérios de merecimento intelectual e de antiguidade, nas seguintes condições:

I - pelo critério de merecimento intelectual, o Soldado estável deve ser selecionado mediante processo de seleção de prova ou de prova e título, aprovado em curso de formação de cabos e atender aos seguintes requisitos: 
a) contar com três anos de efetivo serviço;
b) ter concluído o ensino médio; 
c) não estar licenciado para tratar de interesse particular; 
d) estar classificado, no mínimo, no comportamento “BOM”;
e) ter sido julgado apto em inspeção de saúde para fins de curso;
f) ter sido julgado apto em teste de aptidão física; 
g) possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH), no mínimo, de categoria “B”;
II - pelo critério de antiguidade, o Soldado deve ser selecionado mediante a precedência na graduação, aprovado em curso de formação de cabos e atender aos seguintes requisitos:
a) contar, no mínimo, com oito anos de efetivo serviço;
b) ter concluído o ensino médio;
c) não estar licenciado para tratar de interesse particular;
d) estar classificado, no mínimo, no comportamento “BOM”;
e) ter sido julgado apto em inspeção de saúde para fins de curso; 
f) ter sido julgado apto em teste de aptidão física; 
g) possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH), no mínimo, de categoria “B”. 
§ 1º As promoções à graduação de Cabo QPPM, pelo critério de merecimento intelectual e de antiguidade, terão por base o total de vagas disponibilizadas pelo Comandante-Geral, após aprovação do Governador do Estado, e serão distribuídas obedecendo à seguinte proporção:

I - 40% para merecimento intelectual;
II - 60% para antiguidade.

§ 2º Considera-se, como total das vagas disponibilizadas, aquelas fixadas exclusivamente em edital pelo Comandante-Geral para o processo seletivo à graduação de 3º Cabo, observados a necessidade e o interesse da Corporação.
§ 3º As frações que, porventura, vierem a ocorrer nos percentuais mencionados no § 1º deste artigo serão completadas em favor do critério de antiguidade.
§ 4º As promoções pelos critérios de merecimento intelectual e de antiguidade à graduação de Cabo serão realizadas de acordo com a ordem de classificação intelectual, obtida ao final do respectivo curso de formação de cabo concluído com aproveitamento.
§ 5º Constituirão uma única turma os integrantes do curso de formação de cabo selecionados pelos critérios de merecimento intelectual e de antiguidade, oriundos de um mesmo processo seletivo, que terão sua classificação efetuada em conjunto após a conclusão dos respectivos cursos, sendo esta classificação estabelecida por meio dos graus absolutos da conclusão dos cursos. 

  
Segundo as novas disposições, os Soldados não mais poderão concorrer aos processos seletivos à graduação de Sargento, mas poderão ser promovidos por duas modalidades: Por Antiguidade e por Mérito Intelectual.

Estarão aptos a figurar nas listas de antiguidade aqueles que contam com mais de oito anos de efetivo serviço, dentre outros requisitos previstos em Lei. Já por merecimento intelectual poderão concorrer aqueles que possuírem mais de três anos de efetivo serviço, ou seja, que tenham concluído o estágio probatório.

Ocorre que a mencionada alteração legislativa não ressalvou que muitos policiais já haviam preenchido todos os requisitos necessários (incisos I a VII, do artigo 15-A) para figurarem na relação pertinente ao Processo Seletivo Interno pelo Critério de Antiguidade, sob a égide dos dispositivos vigentes à época, ignorando assim o direito que já possuíam na vigência da lei anterior, de terem prioridade no oferecimento das vagas para promoção, uma vez que estavam na dependência apenas do oferecimento das vagas e cursos pela Administração Pública.

Ora, configura flagrante afronta à segurança jurídica, não observar as situações jurídicas já aperfeiçoadas; deixar de observar o total preenchimento dos requisitos estabelecidos na Lei vigente à época, antes de efetuar uma alteração que reduza o âmbito da concretização do direito já adquirido. Frise-se novamente que nenhum dispositivo que se ressalvasse essas situações, foi inserido na nova Lei.
Quanto ao princípio da segurança jurídica, aproveita-se para citar as brilhantes palavras de Helly Lopes Meirelles[1]:

Segurança Jurídica – princípio da segurança jurídica é considerado como uma das vigas mestras da ordem jurídica, sendo, segundo J.J. Gomes Canotilho, um dos subprincípios básicos do próprio conceito do Estado de Direito. Para Almiro do Couto e Silva, um “dos temas mais fascinantes do Direito Público neste século é o crescimento da importância do princípio da segurança jurídica, entendido como princípio da boa-fé dos administrados ou da proteção da confiança. A ele está visceralmente ligada a exigência de maior estabilidade das situações jurídicas, mesmo daquelas que na origem apresentam vícios de ilegalidade. A segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito do Estado de Direito.
A Lei 9.784, de 29.1.99, que “regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”, determina a obediência ao princípio da segurança jurídica (art. 1º).
Como uma das conseqüências dessa determinação, ao tratar da interpretação da norma administrativa, essa lei veda textualmente a “aplicação retroativa de nova interpretação” (inc. XIII, parte final, do parágrafo único do art. 1º). Aliás, a aplicação retroativa da nova interpretação seria contrária até mesmo ao princípio da moralidade administrativa.



Observe-se que os requisitos para a promoção já existiam antes da vigência da nova lei, e foram devidamente preenchidos, convolando-se em verdadeira “condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem”[2].

Por ter como base o princípio da legalidade e para que fosse estabelecida verdadeira equidade, a Administração Pública necessariamente deveria ter ressalvado a situação desses Soldados, para diferenciar a situação jurídica daqueles que já haviam completado o interstício daqueles cuja situação ainda não havia se amoldado ao preceito legal, quando da vigência dos novos dispositivos legais.

Da forma que se encontra, boa parte da turma de 2003, por exemplo, foi beneficiada com a tão almejada promoção, por terem sido disponibilizadas cerca de 300 (trezentas) vagas por antiguidade, antes da alteração legislativa, enquanto os demais, que possuíam o mesmo interstício serão onerados com 40% menos vagas, diante da possibilidade que lhes era garantida pelo dispositivo vigente à época do cômputo do interstício.

Quando a lei nova menos favorável não ressalva os direitos adquiridos e a Administração não os observapode-se falar em afronta à Constituição Federal, uma vez que patente está a quebra da segurança jurídica, e da igualdade princípios estes fundamentais e estruturantes do nosso Estado Democrático de Direito.

De outra sorte é público e notório que a disponibilização de vagas no âmbito da PMMS ainda não é regular, uma vez que os policiais passavam longos anos na mesma graduação, e nem se diga daqueles que foram transferidos para a reserva remunerada na graduação de soldado. Tais ocorrências geraram um ciclo vicioso que ainda não foi totalmente extirpado, embora as providências que vêm sendo implementadas ao longo dos anos tenha melhorado sensivelmente esse quadro.

Por certo que é esse ciclo vicioso que se pretende evitar.

Obviamente, a nova lei foi aprovada para tentar estabelecer um fluxo razoável, porém isso somente se dará em longo prazo e desde que sejam resolvidas essas situações que afrontam a ordem jurídica, sob risco de quebra do fluxo regular e equilibrado da carreira.

Do contrário, que equilíbrio será esse que desconsidera o cômputo do interstício completo do militar, inserindo-o no mesmo rol daqueles que sequer possuíam expectativa à promoção para a próxima graduação na vigência da Lei anterior, para que sejam selecionados em igualdade de condições se assim não era anteriormente?

Para corroborar tal entendimento, transcreve-se acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, acerca de situação semelhante a dos Militares aqui mencionados, a saber:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CABO DA POLÍCIA MILITAR. PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO PARA SARGENTOS. POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DO REQUISITO TEMPORAL SOB A ÉGIDE DA LC Nº 528/74 DO ESTADO DO ACRE. REVOGAÇÃO PELA LC ESTADUAL Nº 164/2006. CURSO INICIADO APÓS A MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. REQUISITO DA ESCOLARIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE NA VIA DO AGRAVO INTERNO.
1. Esta Corte Superior firmou jurisprudência no sentido de que o Cabo da Polícia Militar do Estado do Acre que já tinha cumprido integralmente o interstício de 10 (dez) anos de efetivo exercício militar na vigência da Lei Complementar Estadual nº 528/74 pode se matricular no Curso de Formação de Sargentos utilizando esse período
de tempo, dado que o direito à promoção, quanto ao requisito temporal, já havia sido incorporado ao seu patrimônio jurídico quando entrou em vigor o novo diploma legal: Lei Complementar Estadual nº 164/2006, a qual passou a exigir o prazo mínimo de 15
(quinze) anos.
2. A tese acerca do cumprimento do requisito da escolaridade não foi apreciada pelo Tribunal de origem, tampouco foi suscitada nas razões ou contrarrazões do recurso ordinário, caracterizando-se, pois, clara inovação recursal que não pode ser conhecida neste momento processual.
3. Outrossim, mesmo que superado o óbice, o § 3º do art. 59 da Lei Complementar Estadual nº 528/74 "não proíbe a promoção de quem já havia concluído o antigo 2º grau, atualmente ensino médio, quando ingressou na corporação, até porque, com certeza, a Administração Militar não tem interesse em promover somente aqueles com menor nível de escolaridade. O que a lei determina é que, em caráter excepcional, preenchidos os demais requisitos, será permitida a promoção daqueles que não possuíam o 2º grau" (EDcl no RMS nº 25.690/AC, relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 1/2/2010).
4. Agravo regimental a que se nega provimento.

O mesmo acórdão cita ainda o seguinte precedente:
  
A - AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CABO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ACRE. DIREITO ADQUIRIDO À PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO PARA SARGENTOS. CARACTERIZAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cumpre, em preliminar, asseverar que a regra geral que rege a relação jurídica laboral entre o servidor e a Administração é a de que inexiste direito adquirido a regime jurídico. Precedentes.
2. Na espécie, todavia, a solução do litígio, no meu modo de sentir, deve amparar-se em outros fundamentos. Os recorrentes, ora agravados, que são cabos, satisfizeram o requisito temporal de dez anos para ingresso no Curso de Formação para sargento. Não foram promovidos em razão da não atuação da Administração em submetê-los ao procedimento promocional, quando já preenchiam os requisitos formais para matrícula no respectivo Curso. Nessa linha de raciocínio, sobrevindo nova legislação, o direito adquirido estará caracterizado, na medida que a situação jurídica já esteja definitivamente constituída na vigência da norma anterior. Dentre os precedentes, destaca-se o RMS nº 25.690/AC.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no RMS nº 24.885/AC, relator o Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), DJe 25/05/2011)

Ainda que os acórdãos supra tratem da promoção à 3º Sargento, a situação fática e fundamentos são semelhantes, pois estamos tratando de militares que satisfizeram o requisito temporal de 8 (oito) anos para ingresso no curso de formação de Cabos, bem como preencheram os demais requisitos, muito embora não tenham sido promovidos em razão da não realização do respectivo curso de formação na época oportuna.

O direito adquirido resta caracterizado, na medida em que, todos os requisitos haviam sido preenchidos durante a vigência da norma anterior.

A atual realidade dos Soldados das turmas de 2003 e 2004, que já possuíam o interstício necessário à promoção por antiguidade porém não foram promovidos e terão que dividir as vagas com os soldados que possuem 3 (três) anos, não se coaduna com os princípios constitucionais administrativos, uma vez que trata-se de direito subjetivo de cada um à época, e que não foi efetivado em época oportuna por inércia da Administração ou ainda pelo excessivo exercício do poder discricionário por parte desta.

Ressalta-se que a promoção e a participação no curso de formação são direitos do Policial Militar[3], e neste caso em específico, segundo os motivos já expostos, esse direito passou a fazer parte do âmbito dos direitos subjetivos de cada um daqueles que já haviam preenchido os requisitos.

Por fim, impende destacar que, conforme o Estatuto da Polícia Militar, para ser promovido, o Policial Militar deve satisfazer os requisitos essenciais estabelecidos na lei específica, deve estar em pleno exercício de seus direitos e não devem possuir impedimento de ordem legal, conforme disposições específicas contidas no artigo 55 e seguintes do mencionado Estatuto, a saber:

DA PROMOÇÃO

Art. 55. O acesso da hierarquia policial-militar é seletivo, gradual e sucessivo, e será feito mediante promoções, de conformidade com o disposto na legislação e regulamentação de promoções de Oficiais e Praças, de modo a obter-se um fluxo regular e equilíbrio de carreira para os policiais-militares a que esses dispositivos se referem.
[...]
§ 2° A promoção é um ato administrativo e tem como finalidade básica a seleção dos policiais-militares para o exercício de funções pertinentes ao grau hierárquico superior.
[...]
Art. 55-A. Para ser promovido, é necessário que o policial militar satisfaça os requisitos essenciais estabelecidos nesta Lei, para cada posto ou graduação e em legislação específica, se houver, e que esteja em pleno exercício de seus direitos e não possua impedimentos de ordem legal.


            Diante do exposto, resta patente o direito que possuem os Soldados que compõem o restante da turma de 2003, bem como os da turma de 2004, de realizarem o curso de formação de Cabos, aproveitando a totalidade de vagas existentes e de acordo com as condições existentes à época da vigência da Lei anterior, até que se esgote o número de Soldados nesta situação, uma vez que já haviam preenchido todos os requisitos para a promoção.

Promovidos todos os Soldados nessas condições, somente a partir desse momento é que se poderia utilizar a divisão em porcentagem estabelecida nos dispositivos vigentes atualmente, sob risco de verdadeira preterição aos que já possuíam a situação jurídica já consolidada.

Respeitar o direito adquirido, a situação jurídica consolidada e o preenchimento de requisitos legalmente estabelecidos quando vigente lei anterior é proporcionar verdadeiro e real cumprimento aos princípios Constitucionais, pilares do regime Democrático de Direito, que regulam a relação entre a Administração e seus agentes.


Campo Grande-MS, 14 de Abril de 2014.

                              
* O texto traduz entendimento técnico, em observância à graduação acadêmica, elaborada a pedido de colegas que se encontram na situação em questão.




[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Dirito Administrativo Brasileiro, 27ª Ed. Atualizada. São Paulo-SP, Ed. Malheiros, 2002.
[2] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 16ª Ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo-SP: Saraiva, 2012, sobre os Limites à retroatividade da Lei.
[3] Art. 47. São direitos dos policiais-militares:
[...]
VI - a promoção e o direito de frequentar cursos e estágios de formação e aperfeiçoamento, exceto se for réu em ação penal comum pela prática de crime doloso;
[...]